Preciso de alguma razão especial para ir às Minas dos Carris? Não, mas desta vez havia uma razão especial para lá ir. Comemorava o 1º aniversário da edição do meu livro sobre a história daquele complexo mineiro. Esta caminhada comemorativa só faria sentido se fosse através do Vale do Homem e assim foi, tomando para isso os devidos cuidados há já muitas semanas.
A noite fora terrível em termos meteorológicos para os lados do Gerês. Frio, chuva e já sabia que seria garantida a queda e a presença de neve. A questão seria a partir de onde. As previsões irrealistas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera colocavam o limite da cota de neve nos 600 metros. Isto implicava neve em quase todo o Gerês o que se fosse verdade, tornaria complicada a passagem pela Portela de Leonte. Porém, cedo verifiquei que as previsões não estavam certas. A viagem entre as Caldas do Gerês e a Portela do Homem fez-se sem qualquer problema e sem qualquer vestígio (longínquo que fosse) de neve.
O dia mal tinha começado na Portela do Homem e saia em direcção às Minas dos Carris. Esperavam-nos os usuais martirizantes 9,5 km até ao complexo mineiro e por várias vezes a chuva fez-se sentir de forma moderada.
Ao longo do vale sucediam-se as paisagens cobertas de nuvens que não deixavam vislumbrar os cumes da Encosta do Sol. Mal conseguimos ver o fundo do vale para lá do Modorno, chegou a confirmação de que os picos serranos mais elevados estavam cobertos por um manto branco, coisa que é sempre um novo alento numa caminhada que por vezes se torna monótona principalmente quando o chão se torna inclemente com as botas e traiçoeiro com as distracções. Em muitas partes, parecia que o Rio Homem havia mudado de leito tal a quantidade de água que desce pelo velho estradão mineiro. A passagem pela Abilheirinha serviu para o primeiro abastecimento de líquidos e caminhando ligeiros rapidamente chegávamos à Água da Pala. Do outro lado da margem, a Encosta do Sol continuava encoberta pelas nuvens que não deixavam ver as paredes da Bela Ruiva. O mesmo acontecia para os lados da Serra Amarela coberta por denso nevoeiro.
Desta vez a subida (e depois a descida) foi de certa forma facilitada pela recente limpeza que o Parque Nacional da Peneda-Gerês levou a cabo em todo o percurso entre a Portela do Homem e o Modorno. A limpeza das bermas facilita e de que maneira a progressão e evita em muitas partes a penosa caminhada sobre as pedras soltas. Passando o Cagarouço, estava expectante relativamente à limpeza do caminho e foi uma agradável surpresa verificar que daqui para cima (a parte mais penosa em termos de vegetação) todo o caminho foi limpo. De facto, foi muito agradável ver as Curvas do Febra totalmente limpas de vegetação o que me fez recordar de certa forma as primeiras caminhadas aos Carris.
Por esta altura já havíamos notado por vezes que, misturada com a chuva, a neve começava a cair e a primeira queda de neve mais intensa a que assistimos ocorreu por alturas da passagem do Modorno onde parámos por alguns momentos para saborear uma bebida quente e prepararmos o restante caminho. Neste local tem-se uma das paisagens mais icónicas da Serra do Gerês e desta caminhada em particular. Se as minas são representadas pelas suas ruínas, o Vale do Homem é representado pela paisagem que se observa a partir do Modorno. É uma paisagem única em Portugal!
A Água da Lage do Sino fazia-se notar ruidosamente à medida que se despenhava pela encosta em direcção ao jovem Rio Homem. Em cima, a cumeada estava já bem pintada de branco e o «virar a curva» no vale saudou-nos com uma paisagem alpina nas encostas nuas de vegetação. A partir daqui a neve cobria já o caminho e por vezes caia com mais ou menos intensidade à passagem ao Teixo. Daqui, facilmente se observava que nesta altitude a serra estava toda pintada de branco. Assim acontecia com o Outeiro Redondo, com a Corga dos Salgueiros da Amoreira e com o Altas dos Cabrões, bem como com o Outeiro da Meda.
Abandonado nos píncaros geresianos, o complexo mineiro dos Carris encontrava-se silencioso e misticamente coberto com um manto branco. A paisagem parecia que não se tinha modificado desde a última vez que ali havia estado a 4 de Novembro, mas desta vez a quantidade de neve era mais pequena. Mesmo assim, e batida pelo vento, a neve moldava as portas e janelas do antigo edifício para os casais e parecia que aumentada a miserável ruína do bairro mineiro, que agora cada vez mais decrépito é a fácil vítima dos rigores dos dias serranos de Outono e Inverno.
Passando os limites da aldeia mineira, era aqui onde a neve mais se havia acumulado. Procurando o último abrigo disponível, dirigimo-nos para lá para um merecido almoço quente antes de completar a usual volta pelas ruínas.
PS - Começo o texto por perguntar se precisava de alguma razão especial para visitar mais uma vez as Minas dos Carris e respondi que não, mas a caminhada aos Carris por si só, é já uma razão espacial.
Algumas fotos do dia...
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