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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Casarotas e Fojo de Vilarinho (Trilho das Casarotas)

Regresso à Serra Amarela para um percurso que já devia a mim próprio há muitos, muitos anos. As Casarotas e o Fojo de Vilarinho são dois aspectos da Serra Amarela que mais cedo ou mais tarde entram no imaginário de quem tem por hábito percorrer as serranias do parque nacional (se bem que ambos estão localizados fora da sua área).

O percurso do Trilho da Casarotas foi pensado tendo em vista um «fácil» acesso àquela zona. Existindo já há vários anos, o trilho acaba por sofrer com a passagem do tempo e com a falta de manutenção. Em muitas zonas, as marcas estão apagadas com o tempo e é nestes sítios que se torna fundamental a ajuda das mariolas seculares que vão aguentando a passagem dos dias.

O caminho inicia-se junto ao espelho de água da peculiar aldeia de Brufe e logo embrenha-se por entre os percursos murados por entre os campos. A luz da manhã foi dando um aspecto único às paisagens que se iam sucedendo à medida que vencíamos os leves declives iniciais. A falta de limpeza do trilho e a sucessão de paisagens onde os tons de amarelo iam marcando presença, fazia-nos esquecer um pouco a brisa de leste que ia afagando os primeiros efeitos de um dia que seria de calor. Na altura não sabia, mas o Parque Nacional já ardia lá longe pelos domínios de Fafião e isso explicaria mais tarde o constante som de leves tons graves de invadia a montanha.


Guiados pelas gigantes mariolas dos tempos idos, passamos corgas e pequenos vales mais abertos até chegarmos ao Curral dos Figos e daqui iniciamos uma forte subida para as Casarotas que ao princípios nos passaram despercebidas. Interessante foi ter descoberto uma pequena exploração mineira, provavelmente da dourada época do volfrâmio, naquelas paragens. A paisagem que abarcava parte da Serra Amarela e da Serra do Gerês, encontrava-se turvada por uma neblina que impedia a visão nítida dos pormenores devido à dispersão da luz. Porém, mesmo assim, encontramos uma paisagem imensa, de encher a alma e turvar o espírito ao pensar nas vidas de outrora que venceram as vicissitudes da montanha em necessidades diárias longe do resto do mundo.

Finalmente chegávamos às Casarotas localizadas na Chã do Salgueiral e a minha impressão inicial foi a sensação de abandono total sem haver uma única em bom estado. O mistério e o debate sobre a função destes abrigos de montanha mantém-se nos nossos dias. Citado na obra "O Gerês - De Bouro a Barroso", de Rosa Fernanda Moreira da Silva, Jorge Dias refere "(...) haver uma relação com as cabanas dos pastores e talvez fosse conduzir a uma curiosa solução, que traria também um elemento de grande interesse para a Etnografia. Poderia ser uma antiga branda dos pastores de Vilarinho. Uma branda há séculos abandonada, porque os habitantes da região descobriram uma maneira mais cómoda de aproveitar as pastagens altas, mediante uma organização colectiva, em que dois pastores substituídos diariamente por outros dois, à vez por todos os vizinhos, só precisam de passar uma noite na serra, para que lhes basta uma cabana em cada local de pernoita. Parece-me esta a hipótese mais plausível, mas, como disse, só depois de se fazerem escavações teremos talvez a solução" (in, "As Casarotas na Serra Amarela - construções megalíticas com uma inscrição" - 1946).

Assim, segundo Jorge Dias, as casarotas teriam uma função relacionada com a pastorícia na Serra Amarela. Porém, Rosa Fernanda Moreira da Silva tem outra interpretação para a função destas peculiares construções. Na página n.º 90 da sua citada obra lê-se "Somos de opinião que as Casarotas foram um dos elementos da célula defensiva das Portelas que, além dessas pequenas construções incluía, pelo lado Norte, uma pequena Trincheira, com o comprimentos de algumas dezenas de metros. Estes elementos estão estrategicamente localizados numa rechã inacessível do lado nascente. Mas perfeitamente enquadrados em relação às restantes edificações defensivas do vale do Homem, ou seja, as Casas do Facho, das Peças e da Guarda. De acordo com os argumentos apresentados as Casarotas foram um dos elementos da célula defensiva da Portela da Serra Amarela. Entretanto, seria muito enriquecedora a concretização de estudos sobre esta temática que, ao alargarem a análise temporal, poderiam contribuir para o equacionar de novas teorias sobre o passado."


É fabulosa esta discussão enriquecedora sobre os objectivos destas construções na Serra Amarela. Sem dúvida que a sua visitação nos trás as mais dispersas teorias e faz-nos imaginar a vivência e a adaptação dos povos serranos às dificuldades e agruras da vida na montanha. Infelizmente, como já referi, é pena o estado de ruína (e avançada ruína) de alguns dos elementos que no entanto não retiram a beleza e mística de todo o conjunto.

As Casarotas foram também o local de paixão de Rogélio Pardo, o fugitivo da Guerra Civil de Espanha no romance de André Gago, "Rio Homem", a quando da sua estadia em Vilarinho da Furna.

O segundo objectivo do dia era a visita ao Fojo de Vilarinho localizado a algumas centenas de metros das Casarotas no Poulo do Vidoal. Este, tal como a maioria dos fojos do lobo das ásperas serranias nortenha, é uma verdadeira obra de engenharia rural. Aproveitando o acentuado declive da encosta, a convergência dos agora decrépitos muros conduzia o animal batido pela serra para a sua triste miséria. A enormidade do local remete-nos para um silêncio que nos esmaga na imensidão da montanha à vista das Furnas e de uma imagem de uma Vilarinho pulsante de vida há décadas atrás.

Vendo-o à distância, o fojo deixa a sua marca na paisagem no entanto não poderia deixar de visitar o seu «interior». A descida faz-se com cuidado até ao vértice da cunha no qual se encontrava o poço do fatal destino dos lobos apanhados na algazarra. Se a curta descida foi feita com o devido cuidado de forma a não sentir a aflição do animal numa inesperada queda, a subida para o carreiro que se segue para a Chã do Muro é feita em força e esforço ao calor do dia amainado por uma leve brisa ligeiramente mais fresca.


A paragem seguinte foi a Chã do Muro autentica antecâmara para uma posterior subida ao Muro. Aqui, duas vacas pastavam solitárias. Uma delas com a sua cria, curiosa e receosa da nossa aproximação. A segunda vaca pastava mais afastada, não muito longe do forno de guarda da chã. A chamada de atenção para a cria que jazia, inerte, no chão surgiu pouco depois. A situação chamou-nos à atenção e surgiu a curiosidade de observar mais de perto o pequeno animal. Logo na nossa aproximação a mão vaca procurou defender a cria morta e foi emitindo sons de aviso seguindo os nossos movimentos. O destino daquele pequeno cadáver será o de ser alimento, mais cedo ou mais tarde, para um necrófago mas o facto de a mão se manter provavelmente há já algum tempo à guarda do seu filhote vem mostrar mais uma vez a saciência destes animais perante a bestialidade humana.

Depois desta pequena lição de humanidade, rumamos ao Fojo da Ermida localizado na encosta da Serra Amarela voltada à bacia do Lima. Mais uma vez ficou evidente a forma peculiar e engenhosa de como o homem serrano foi capaz de se adaptar às características da montanha, tirando proveito dos locais onde ela é mais branda e aproveitando os declives para a defesa dos seus animais.

Almoçamos num curral localizado não muito longe do Fojo da Ermida e foi interessante ver a diferença de construção entre os abrigos de pastores naquela área e os abrigos (fornos) existentes na Serra do Gerês.

Chegada a hora do regresso decidimos prosseguir em direcção à Corga da Telheira e depois de passar por esta, ladeando Torneiro, chegávamos de novo à Chã do Salgueiral a partir de onde seguiríamos novamente as marcações do Trilho das Casarotas que nos levariam a passar perto do Castelinho e Marco de Antes, percorrendo a encosta da Carvalhinha em direcção a Carvalhinhos e depois regressando ao espelho de água em Brufe onde iniciáramos a jornada.

Algumas imagens do dia...



































Fotografias: © Rui C. Barbosa

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