A receita era, e foi, simples: percorrer o estradão que nos permite fazer a ligação entre a Travanca e o Batateiro; começar na Serra do Soajo e terminar na Serra da Peneda.
O dia começou frio, aliás já há algum tempo que assim é, e quando chegamos à Travanca ainda havia, e houve por breves momentos, a presença de um banco de nevoeiro e neblinas que subiam as encostas num último estertor antes da chegada do Sol outonal.
Passando sobre o Rio Grande logo após a Travanca e o seu peculiar parque de campismo, o estradão serrano vai lentamente subindo proporcionando grandes horizontes. No entanto, os olhares são indubitavelmente atraídos para a beleza e mistério das brandas que aqui e ali salpicam as encostas com pequenos muros e rudimentares abrigos (fornos). Aqueles aglomerados habitacionais extremamente rudimentares surgem na paisagem como contos fantásticos à espera de serem escritos. Por momentos, aguardamos que nos surja na paisagem uma personagem retirada de um conto de Tolkien envolto numa fantasia de uma Terra Média na qual muitos de nós gostaríamos agora de viver (e onde certamente sabíamos quem era o mal feitor e a entidade mentirosa e aldrabona...). Cada passo que damos somos presenteados com uma perspectiva distinta e é com pesar que vamos tomando consciência de que temos de deixar aquele quadro de pinceladas góticas para trás, pois o caminho urge e apesar de ser manhã, o Sol não pára no seu lento caminhar pelo céu azul salpicado com pinceladas brancas.
Após passarmos pela bela Branda de Berzavo, subimos em direcção aos Bicos e daqui, para além da vista sobre a Branda dos Bicos, o imenso Ramiscal domina a paisagem que em breve será recortada pelos muros dos fojos do lobo vistos a partir da Lage Negra e Tesos. Ali ao lado a Branda da Bragadela no sopé da Pedrada, ponto máximo da Serra do Soajo. Em direcção ao Porto de Besicande, e na passagem pela Calçada de Meãs, o olhar fixa-se na Colmadela e no Maranho que são guardiães de dois belos exemplares de fojos de lobo. O caminho vai entroncar no estradão que vem de Lordelo e que passa a 1.300 metros de altitude à sombra do ponto máximo da Serra da Peneda.
A paisagem é marcada pelas misteriosas grandes 'mariolas' que certamente serviam propósitos de localização e orientação nos píncaros serranos.
Chegados às paisagens já familiares das Lamas de Vez continuamos caminho desta vez ignorando o desvio para a Branda de Bosgalinhos e prosseguindo, volteando os Golados e a Costa da Cabana. As feias e inúteis eólicas (parece que uma certa entidade reguladora gerida por aldrabões e verdadeiros chulos quer aumentar os preços da energia eléctrica...) dominam agora a paisagem na qual o olhar em tempos se admirava só com a Branda da Aveleira e com a Bouça dos Homens. O almoço foi junto a uma pequena represa.
A parte final do caminho passou ao lado da Gesta e antes da chegada ao Batateiro, a visita à Mamoa do Batateiro. Aqui a paisagem da Serra da Peneda recorta a paisagem marcada pelo Outeiro Alvo onde a certo dia fui prejudicado numa prova de orientação por ter julgado que a minha segurança era mais importante de que uma prova de progressão em montanha decidida por alguém demasiado teórico e crónicamente incapaz de reconhecer os seus erros...
Finalmente chegávamos ao Batateiro, mas com ainda muito tempo antes da chegada da boleia, decidimos descer para São Bento do Cando que vai ficando cada vez mais vazia com a passagem do Outono e a rápida chegada do Inverno.
E assim foi o dia... antes das fotografias, onde está o povo que um dia se revoltou numa madrugada de Abril?
...as fotos...
Fotografias: © Rui C. Barbosa
Caro Rui Barbosa:
ResponderEliminarA propósito da zona planáltica da cabeceira do Rio Vez (creio que surge a meio da série de fotos), ela constitui um dos “pratos-fortes” da interessantíssima e inovadora investigação, a respeito de vestígios glaciares (etc.) no Norte de Portugal, desenvolvida por Geneviève Coudé-Gaussen na tese de doutoramento que defendeu na Universidade de Paris, “Las Serras de Peneda e Gerês ¬- Étude géomorphologique”, e que foi publicada, em 1981, pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Letras de Lisboa. Constatei que o livro ainda se mostra disponível no catálogo on-line do dito Centro (ao aliciante preço de 5,00 €), pelo que aproveito a oportunidade de lho assinalar (se não o conhecer já...) como constituindo um óptimo guia (inclui muitas fotos, desenhos e mapas) para descobrir novas facetas e novas “leituras” da paisagem das Serras do Gerês, da Amarela e da Peneda.
É possível que, decorridos 30 anos, algumas das interpretações avançadas pela autora careçam já de algum grau de revisão, mas suponho (não sou um especialista...) que a obra globalmente permanece muito rigorosa e aliciante.
Votos de óptimas caminhadas.
Cumprimentos, Pedro Cid
Obrigado pela sugestão! Já encomendei a obra e a correr bem, já deve vir a caminho!
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